quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Durante toda a viagem de metro esteve atento ao homem que vinha sentado à sua frente. De ar simpático, óculos, barba rala, cabelo escuro a começar a ficar branco e mãos delicadas, lia de forma frenética, disparando o olhar para vários lados e por vezes para ele, um olhar de estranheza, até que voltava para o seu livro, mas apenas por poucos segundos, até fazer o olhar navegar outra vez, parando sempre nele. Ao fundo o homem cego tocava uma batida nas suas latas para tentar algum dinheiro. Faltava um dia para a passagem de ano. 

{apontamento 17.}
Ext. Dia. 
Inverno. Frio. 
A calma com que caminha pela rua é interrompida pela queda de gotas de chuva. Chuva fria, ar frio. Acelera o passo. Não tem guarda-chuva, ainda faltam alguns metros para chegar ao metro. Os óculos vão ficando cada vez mais molhados, não tem tempo para parar e os limpar, tem que continuar. A chuva é cada vez mais forte. Não tem tempo para se abrigar e esperar, tem que continuar, deve continuar. Subitamente começa a tocar Wild is The Wind por Nina Simone no mp3.
Sem pensar em mais nada fica apenas ali parado, no meio da rua, a ouvir. 
A chuva cai. 
A imagem dele de costas.
Corta para.

{apontamento 16.}

Este texto começa na falha. Deveria começar na falha. Talvez não devesse sequer começar. Mas já começou e irá arrastar-se até não ter mais p...